Quase tudo sobre amplificação com válvulas.

Quem é guitarrista ou curte amplificadores de guitarra certamente já ouviu falar dos famosos “amplificadores valvulados” e, apesar de muita gente já ter usado ou até mesmo possuir um em casa, grande parte desses músicos tem dúvidas sobre o funcionamento e recursos do amplificador. Também é muito comum encontrarmos músicos experientes que passam do amplificador de estado sólido (ou SS, de solid state) para o valvulado e encontram dificuldade em timbrar o novo amplificador.
Resolvemos, então, fazer uma matéria abordando o funcionamento dos amplificadores valvulados, as diferenças entre os amplificadores valvulado, solid state e híbridos (pré-amp valvulado e potência transistorizada). Também vamos falar das partes que compõem um amplificador e qual o papel de cada uma e, claro, vamos dar algumas dicas de como conseguir o som que você quer de seu amplificador valvulado.

A Criação da Válvula


A história dos amplificadores valvulados remete ao final do século passado, mais precisamente em 1879, quando Thomas Edison acendeu a primeira lâmpada e notou que depois de um tempo ela ficava preta. A lâmpada, constituída de um filamento de carvão dentro – no vácuo – de uma âmpola de vidro, ficava preta porque partículas do carvão se soltavam do filamento e batiam contra o vidro da ampola. Para corrigir isso, Edson colocou um fio metálico ligado a uma carga positiva e notou que havia uma corrente elétrica entre o filamento e o fio. Estava criada a primeira válvula.

Thomas Edson não conseguiu achar uma aplicação prática para a válvula e muitos outros nomes tiveram papel importante na evolução da válvula até ela se tornar componente principal de TVs, rádios e vários outros equipamentos eletrônicos no meio do século passado. Entre esses nomes, temos W. R. Preece, John Ambrose Flemming e Lee De Forest, sendo o último o pesquisador que descobriu que colocando uma grade com carga negativa entre o filamento e o fio (hoje chamado de placa), uma corrente maior era produzida entre o filamento e a placa e que pequenas variações de tensão (voltagem) na grade se traduziam em grandes mudanças na quantidade de corrente elétrica circulando entre filamento e placa.

Com o passar dos anos, a válvula evoluiu e de início à criação de dispositivos de rádio. Posteriormente, esses dispositivos foram evoluindo, a válvula foi ganhando novos formatos e utilidades e a partir daí começaram a surgir diversos equipamentos que se utilizavam da invenção de Thomas Edson, como TVs, Rádios, Conversores e outros.

O Amplificador Valvulado

Os primeiros amplificadores valvulados surgiram no começo do século com o uso da válvula para aplicações de rádio e áudio. Não se sabe exatamente que foi o criador e quando o primeiro amplificador valvulado foi feito, mas o que se sabe é que eles têm característica timbral única e é muito difícil, alguns dizem “impossível”, reproduzir o timbre de um amplificador valvulado em um amplificador de estado sólido.

Ao amplificar um sinal de áudio, a válvula não consegue fazê-lo com perfeição e compromete o sinal com uma série de ruídos, atenuações e “sujeira”. Essa imperfeição na amplificação é, de alguma forma, mais agradável ao ouvido humano e é justamente o que dá a característica única dos amplificadores valvulados. Fazendo uma analogia simplória, é como uma parede lisa, perfeitinha e uma parede com textura: a imperfeição da textura é justamente o que dá beleza à parede.

Essa característica, fez com que os amplificadores valvulados se tornassem uma febre entre músicos, especialmente os guitarristas. O uso difundido de amplificadores valvulados nos anos 50, 60 e 70, aliado ao surgimento de diversas bandas famosas cujos guitarristas – hoje, ícones da música – utilizavam esses amplificadores, levou os valvulados a um estágio de “objeto de desejo” que permanece até hoje.

Componentes e partes do Amplificador Valvulado

O amplificador valvulado é composto, basicamente, por três partes: pré-amplificador, potência e fonte de alimentação. O pré-amplificador é o primeiro estágio de amplificação, onde o sinal da guitarra é amplificado e tem todo o tratamento timbral, ou seja, onde fica a equalização que modifica o sinal a gosto do guitarrista. O segundo estágio, potência, é onde esse sinal já modificado ganha a maior parte do volume, sendo amplificado com muita potência e enviado ao alto-falante.
O terceiro componente, a fonte de alimentação, é a responsável por alimentar os outros dois estágios e tem tanta importância na qualidade do áudio como os outros estágios. Mais uma vez, fazendo uma analogia, a fonte está para uma amplificador como a gasolina está para um carro: a qualidade dela pode fazer tudo funcionar muito bem ou muito mal.
Alguns componentes têm maior importância por serem cruciais na formação do timbre característico. O transformador da fonte e a própria fonte devem ser de boa qualidade e projetados adequadamente de acordo com o circuito que vai alimentar. As válvulas do primeiro estágio de amplificação (em geral, válvulas pequenas, com cerca de 6 ou 7cm de altura) também devem ser de boa qualidade, pois são responsáveis diretas pelo timbre do amplificador. As válvulas de potência e o transformador de saída são os responsáveis por aumentar o volume do áudio e enviá-lo ao alto-falante. Se forem de boa qualidade e o circuito estiver bem projetado, eles conseguem fazer isso sem comprometer o áudio já timbrado que veio do pré-amplificador.
Vários modelos diferentes de válvula podem ser utilizados em amplificadores de guitarra, mas os mais difundidos são a 12AX7 (também conhecida como ECC83) para o pré-amplificador e os modelos EL84, EL34 e 6L6 na potência. Cada válvula tem sua própria característica de timbre, ganho, distorção e área de trabalho, gerando resultados diferentes. Um exemplo é o Twin Amp da Fender que usa válvulas 12AX7 no pré-amp e 6L6 na potência, tendo o som extremamente limpo e cristalino, enquanto um Marshall JCM900 utiliza 12AX7 no pré-amp e EL34 na potência, tendo o som com mais ganho e levemente “sujo”.
Cada válvula tem suas próprias características e não podem ser substituidas umas pelas outras (exceto em raros casos específicos). Além das válvulas, o projeto do circuito e seus componentes também são responsáveis diretos pela característica timbral do amplificador valvulado.
Atenção: isso é uma explicação básica e não ensina ninguém a mexer em circuitos eletrônicos. Amplificadores valvulados trabalham com tensões (voltagem) altas (acima de 500V) e podem matar. Se você não tem conhecimento técnico para fazer manutenção e/ou modificações em seu amplificador valvulado, leve-o para alguém qualificado. Jamais abra um amplificador ou qualquer outro equipamento eletrônico sem ter conhecimento técnico.
Amplificador Valvulado x Estado Sólido (Solid State)

Um amplificador de estado sólido (também chamado de Solid State, SS ou Transistorizado) tem circuito parecido com um valvulado, porém, em geral, tem construção mais complexa e, claro, não utiliza válvulas. Transistores ou chips fazem o papel das válvulas de amplificar o sinal e dar o timbre do amplificador. Por não ter válvulas de potência, não há a necessidade do uso de um segundo transformador na saída e o transformador de entrada trabalha com tensões e correntes menores. Com um transformador a menos e outro transformador menor, os amplificadores transistorizados são menores e mais leves que os valvulados.
Existem ainda os amplificadores híbridos que são uma mistura de valvulado com transistorizado. Em geral, os híbridos têm uma (ou mais, em alguns casos) válvula no pré-amplificador e a potência fica por conta de transistores ou chips. Esses amplificadores têm o “calor”, porém sem a saturação e a amplitude dinâmica de um valvulado.
Outro termo muito comum entre os amantes dos amplificadores valvulados é o Handwire. Um amplificador handwire é um amplificador que não tem placa de circuito impresso, ou seja, todos os componentes do circuito são interligados diretamente, ponto a ponto, sem a necessidade de uma placa, como na foto acima.
Não vamos abordar a discussão sobre qual amplificador – transistorizado ou valvulado – é melhor ou pior porque isso envolve uma série de fatores como gosto pessoal, tipo de música, guitarra utilizada, timbre desejado etc. Cada amplificador, de cada marca, tamanho, formato e tipo de circuito diferente tem seu timbre característico e pode ser bom ou ruim conforme o ouvinte, a situação ou o timbre desejado. É importante deixar claro que há guitarristas famosos e respeitados que são adeptos de amplificadores transistorizados, assim como há guitarristas amantes dos valvulados. A questão principal aqui é que cada guitarrista deve procurar o timbre que gosta e não se preocupar com o fato de o amplificador ser valvulado ou transitorizado.
Dicas de Uso de Amplificadores Valvulados
1. Ligar e Desligar

Diferente de um transistorizado, o amplificador valvulado tem duas chaves “liga/desliga” e “stand-by liga/desliga”. Essas chaves têm funções diferentes e devem ser ligadas e desligadas sempre na sequência correta. Inicialmente, a chave “liga/desliga” (on/off) deve ser ligada para que o amplificador inicie a alimentação dos filamentos das válvulas, ou seja, para que a válvula esquente. Algum tempo depois, cerca de 30 segundos a 1 minuto, a chave “stand-by liga/desliga” (stand-by on/off) deve ser ligada para que todo o resto do circuito do amplificador seja alimentado e ele possa funcionar.
Para desligar, basta desligar a chave stand-by e, em seguida, desligar a chave on/off. Não há necessidade de esperar para desligar uma ou outra chave, apenas é recomendado desligar na sequência sugerida para que o amplificador não produza nenhum tipo de ruído ou o “pop” característico. É recomendável esperar as válvulas esfriarem antes de transportar ou guardar o amplificador.

2. Transportar

Transportar um amplificador valvulado requer cuidados especiais. Por serem construídas de vidro fino, não podem ter ar internamente (vácuo) e o filamento é sensível a pancadas e batidas, podendo se romper facilmente. Batidas, solavancos e chacoalhões não são bem aceitos por amplificadores valvulados e os filamentos – ou até mesmo as próprias válvulas – tendem a se romperem. Pela própria construção da válvula e pela alta temperatura em que elas trabalham, elas não suportam correntes de ar geladas quando estão quentes – durante o uso ou logo após o amplificador ter sido desligado. O ideal é sempre transportar o amplificador com a capa fornecida pelo fabricante ou esperar que as válvulas estejam totalmente frias.
3. Timbrar
O timbre de um amplificador é inerente a ele, mas pode variar conforme o gosto do freguês dentro de sua faixa de trabalho. Inicialmente, a escolha correta do amplificador é muito importante e você deve testar o amplificador antes de comprá-lo para ter certeza que ele se encaixa no tipo de som que você deseja. Depois de escolhido, a maioria dos amplificadores oferecem um controle de ganho “gain” e outro controle de volume “volume ou master”. O primeiro trata da saturação da válvula e segundo, como o nome diz, do volume. É muito comum guitarristas que querem um som levemente saturado utilizarem ou o gain ou o master no máximo e controlarem o volume com o outro controle (ex: gain no máximo, controle o volume no master e vice-versa).
4. Conexões e Impedância
Amplificadores valvulados têm impedância de saída especifica e devem ser conectados apenas nas respectivas caixas acústicas do modelo ou semelhantes, se for cabeçote, e no(s) próprio(s) alto-falante(s) se for combo. Ligar amplificadores valvulados em outras caixas acústicas envolvem o risco de utilizar impedâncias diferentes e queimar o amplificador e/ou a caixa. Se, ainda assim, você tiver que fazer essa conexão, atente para a informação de impedância na saída do amplificador (em geral, está em X Ohms, exemplo: 8 Ohms) e para a informação na entrada da caixa, expressa da mesma forma.
Ligar um amplificador em uma caixa com impedância maior do que a saída do amplificador vai comprometer o áudio (timbre, volume etc.), mas não deve queimar nenhum dos dois, porém o contrário não deve ser feito, já que o amplificador corre sério risco de estar queimado ou defeituoso no final dessa história.
Exemplo:
Amp com saída 8 Ohms em Caixa com 8 Ohms = a escolha ideal.
Amp com saída 8 Ohms em Caixa com 16 Ohms = pode, mas não é o ideal.
Amp com saída 8 Ohms em Caixa com 4 Ohms = não deve ser feito.

A maioria dos amplificadores valvulados tem uma chave de impedância junto à saída e ela pode ser utilizada para o casamento da impedância do amplificador com a impedância da caixa. Em geral, as chaves têm as opções 4, 8 e 16 Ohms, abrangendo a maioria das caixas utilizadas no mercado, basta o usuário trocar a chave para a opção certa na hora de conectar e não terá problemas.
5. Ajuste de BIAS
Alguns modelos apresentam a opção de ajuste de BIAS na parte traseira ou inferior do amplificador. Esse ajuste é um ajuste fino no circuito das válvulas de potência e só deve ser feito pela assistência técnica autorizada ou alguém com conhecimento técnico de confiança. É extremamente recomendado não mexer nesse ajuste, mesmo que informado no manual do fabricante.
6. Usando Send e Return
Diferentemente do que muitos guitarristas pensam, as conexões Send e Return não estão lá para enfeite e são de suma importância para obter um timbre agradável do amplificador. Antes de explicar o uso do Send/Return, temos que explicar que existem efeitos diferentes e que cada um deve ser usado em determinado local para ter o máximo rendimento e qualidade possíveis. Quando o sinal sai da guitarra e percorre os pedais, ele vai sendo alterado conforme o pedal (reverb, distorção, delay, flanger, crunch, wah-wah etc.) e essas alterações não podem ser desfeitas. Podemos dividir essas alterações em dois grupos: alterações de pré-amp e efeitos.
As alterações de pré-amp (distorção, crunch, wah-wah) devem ficar antes do pré-amplificador do amplificador de guitarra, enquanto os efeitos (reverb, delay, flanger) devem ficar depois dele. É aí que entra o Send/Return; o Send é a saída do pré-amplificador e o Return é a entrada da potência. Então, se temos um set como o descrito acima, ele deve ser ligado como mostra a imagem abaixo.
Isso permite que cada efeito e/ou alteração no sinal de áudio tenha o melhor rendimento e qualidade possível, garantindo que o timbre do amplificador não será “perdido” no meio do caminho e que cada efeito soe como deveria. Se você usa um pré-amplificador separado, a saída dele deve ser inserida no Return, ou seja, na entrada da potência.
7. Entradas
Alguns amplificadores valvulados têm duas ou mais entradas (alguns têm até 4). Essas entradas são semelhantes, porém algumas têm uma impedância um pouco maior, sendo ideal para uso com guitarras que têm captadores ativos ou de alto ganho. Em geral, em um amplificador de 2 entradas, a entrada 1 é para guitarras de baixo ganho e a entrada 2 é para guitarras de alto ganho. Em amplificadores com 4 entradas, ocorre o mesmo, porém com as entradas 1 e 2 para baixo ganho, enquanto 3 e 4 são para alto ganho.
Essa matéria não tem a intenção de tornar ninguém em um expert em amplificadores, tampouco funcionar como referência na escolha de determinado modelo. A idéia aqui é sanar dúvidas que grande parte dos guitarristas têm e prestar um serviço de informação a nossos consumidores e clientes. Se você vai comprar um amplificador, você deve levar em consideração o tipo de som ou timbre que procura e não se o amplificador é valvulado ou não. Lembre-se, seu timbre é sua assinatura!